O dia dos sem-namorado
O dia dos sem-namorado cai dos sonhos com um suspiro comprido.
Sem beijo de bom dia nem nada de bom pra fazer na cama depois de acordar.
Começa com jornal e coisas importantes acontecendo no mundo, um café preto e uma esperança quase afogada no fundinho da xícara: será que é hoje?
Mas isso ninguém vê, nem a lágrima escapulida que a mão rápida dispersa.
A cena seguinte, exaustivamente ensaiada, já vem automática: olhar pra cima e respirar fundo, vestir o sorriso e ir à luta que com cara de palhaço é que não searruma ninguém mesmo.
O dia dos sem-namorado se demora em papéis e desktops e liga a tv na hora do almoço, pra distrair da falta de companhia.
Evita as vitrines e os out-doors, repletos de corações e sorrisos felizes de quem nasceu um-para-o-outro.
Passa direto pelo cinema com sua fila de pombinhos e dispensa, constrangido, a promoção bem-me-quer da operadora de celular.
O dia dos sem-namorado sai cedo e volta tarde, liga pros amigos, faz ginástica. Come fora, dá-se um livro de pena, no fundo.
É triste não ter a quem dar flores.
O dia dos sem-namorado, se o quiser florido, compre as próprias; se o quer doce, encha a boca de bombons.
Se romântico, abra um vinho e pegue um filminho piegas na locadora, daqueles que um namorado se recusaria a assistir.
A maior vantagem de estar só é não ter que chegar a um consenso.
O dia dos sem-namorado é um dia como outro qualquer, só que mais longo. P
ela simples razão de que ele deveria ser especial como, aliás, todos os dias. Pela falta que faz alguém pra surpreender minhas cores.
A noite cresce e eu vou ficando esmaecida.
O dia dos sem-namorado termina como começou, num sonho, terra sem-fim da ilusão solitária, quase totalmente apartada do que sei pelo esquecimento e ainda assim tão minha.
E vai cair num suspiro comprido lá do outro lado, no próximo dia. Um dia normal, ufa, onde eu não seja um estranho ser que anda partido e sobrevive por teimosia, feito rabo de lagartixa.
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